sexta-feira, 31 de julho de 2015

A Minha Mãe

As ilusões semelham-se a um colar
De pérolas alvíssimas, de espuma.
Se o fio que as segura se quebrar,
Caem no chão, dispersas, uma a uma.

Caem no chão, dispersas, uma a uma,
Se o fio que as segura se quebrar;
Mas entre tantas sempre fica alguma,
Sempre alguma suspensa há de ficar.

Das minhas ilusões, dos meus afetos,
Longo colar de amores prediletos,
Muitos rolaram já no pó também.

Um só dentre eles não cairá jamais:
Aquele que eu mais prezo entre os demais,
O teu amor santíssimo de mãe.

Augusto Gil, in Musa Cérula

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Silêncio

O silêncio é a minha maior tentação. As palavras, esse vício ocidental, estão gastas, envelhecidas, envilecidas. Fatigam, exasperam. E mentem, separam, ferem. Também apaziguam, é certo, mas é tão raro! Por cada palavra que chega até nós, ainda quente das entranhas do ser, quanta baba nos escorre em cima a fingir de música suprema! A plenitude do silêncio só os orientais a conhecem.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Livro de Mágoas

Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes... Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras... Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!...

Florbela Espanca

terça-feira, 28 de julho de 2015

Hipocrisia

A hipocrisia, suprema perversão moral, é o charco podre e dormente que impregna a atmosfera de miasmas mortíferos e que salteia o homem no meio de paisagens ridentes: é o réptil que se arrasta por entre as flores e morde a vítima descuidada.

Alexandre Herculano

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Frei Luís de Sousa, Ato III, Cena IV

A 27 de julho de 1970, morre, em Lisboa, o ditador António de Oliveira Salazar. Foi Ministro das Finanças entre 1928 e 1932 e dirigiu os destinos de Portugal, como Presidente do Conselho de Ministros, entre 1932 e 1968, altura em que, por ter caído de uma cadeira e haver ficado inutilizado para o desempenho de tarefas governativas, é substituído por Marcelo Caetano.  Curiosamente, no dia em que o país tem conhecimento da sua morte, realiza-se o Exame Nacional de Português. O Texto a analisar é a cena IV do Acto III de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett. Telmo, o fiel escudeiro de D. João de Portugal, quando este aparece vestido de Romeiro, diz: «Meu Deus, meu Deus, levai o velho que já não presta para nada, levai-o, por quem sois!» Claro está que o meio estudantil conotou ironicamente esta passagem textual com a morte de Salazar.

domingo, 26 de julho de 2015

Pigmalião e Galateia

A história de Pigmalião e Galateia (a sua estátua favorita) é uma das lendas de amor mais inverosímeis e estranhas da mitologia grega. 
Pigmalião era rei de Chipre e um hábil escultor. Os seus namoros com as mulheres cipriotas só acumularam problemas, pois sempre acolhia as mulheres erradas. Via tantos defeitos e indecências nessas mulheres que começou a abominá-las. Sentindo-se deprimido, decidiu que nunca iria casar-se e optou por viver isolado e imerso no seu trabalho de escultor. Passou a dedicar todo o seu tempo livre a talhar; e, como não era insensível à beleza feminina, esculpiu uma figura feminina em marfim, usando habilidades requintadas. Era a mulher ideal para fazer-lhe companhia. A figura esculpida era de uma beleza tão grande e parecia tão viva, que Pigmalião apaixonou-se pela sua criação.
Ele adornou-a com roupas, colocou anéis nos seus dedos e um colar de pérolas no pescoço. Ficava horas com a estátua, beijava-a, apalpava-a para verificar se estava viva (não conseguia acreditar que se tratasse apenas de marfim) e dava-lhe presentes com os quais toda a mulher sonha. Passava o tempo e Pigmalião sentia-se cada vez mais atraído por aquela figura que considerava a sua obra prima.
Realizava-se, com grande pompa, em Palea (onde havia um importante santuário dedicado a Afrodite), um festival à deusa da beleza e do amor. Após Pigmalião ter executado a sua parte nas solenidades, parou diante do altar e invocou a deusa pedindo-lhe que lhe permitisse encontrar uma mulher igual à estátua de marfim.
A deusa Afrodite, apiedando-se dele, decidiu atender ao pedido, mas, não encontrando na ilha uma mulher que chegasse aos pés da que Pigmalião esculpira, em beleza e pudor, transformou a estátua numa mulher de carne e osso e nomeou-a de Galateia. Quando voltou para casa, Pigmalião beijou-a como era seu costume. No calor do seu beijo, ele apertou os seus lábios a lábios tão reais, que, surpreso, temeu estar enganado; beijou-a novamente e colocou a mão sobre a sua perna e o que fora marfim agora era pele macia que se rendeu aos seus dedos. Sentindo os beijos, Galateia corou, e abrindo os seus tímidos olhos à luz, fixa-os no mesmo instante em Pigmalião, que a envolveu nos seus braços e sentiu um coração que pulsava como o dele.
Com a benção de Afrodite, Pigmalião e Galateia casaram-se; tiveram uma filha, Metarme (era tão bela que até o próprio Apolo a pretendeu), e um filho, Pafos, que deu o seu nome à cidade cipriota de Pafos. 



sábado, 25 de julho de 2015

Pensamentos

Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos.

Victor Hugo


sexta-feira, 24 de julho de 2015

Poema à Mãe

No mais fundo de ti, 
eu sei que traí, mãe 

Tudo porque já não sou 
o retrato adormecido 
no fundo dos teus olhos. 

Tudo porque tu ignoras 
que há leitos onde o frio não se demora 
e noites rumorosas de águas matinais. 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
são duras, mãe, 
e o nosso amor é infeliz. 

Tudo porque perdi as rosas brancas 
que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura. 

Se soubesses como ainda amo as rosas, 
talvez não enchesses as horas de pesadelos. 

Mas tu esqueceste muita coisa; 
esqueceste que as minhas pernas cresceram, 
que todo o meu corpo cresceu, 
e até o meu coração 
ficou enorme, mãe! 

Olha — queres ouvir-me? — 
às vezes ainda sou o menino 
que adormeceu nos teus olhos; 

ainda aperto contra o coração 
rosas tão brancas 
como as que tens na moldura; 

ainda oiço a tua voz: 
          Era uma vez uma princesa 
          no meio de um laranjal... 

Mas — tu sabes — a noite é enorme, 
e todo o meu corpo cresceu. 
Eu saí da moldura, 
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas. 

Boa noite. Eu vou com as aves. 

Eugénio de Andrade, in Os Amantes Sem Dinheiro




quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ó Amália anda cá, canta lá esta!

Dizia-me a minha família que aos 4 anos já ganhava a vida a cantar, pelas vizinhas que diziam, "ó Amália anda cá, canta lá esta". E eu cantava.  E depois lá pelos 7, 8 anos comecei a ouvir as vizinhas lavar a roupa na selha e cantar o fado, que eu não sabia o que era fado. Depois, aos meus 12 anos comecei, já internacional, a cantar os tangos do Gardel, que ouvia nas fitas, e vinha para casa sem saber o que dizia, mas ouvia o som, o som das palavras soava-me como parecia que era, e quase que era, porque no fundo como sabe a língua espanhola é muito parecida com a nossa, e para quem tem um ouvido e um poder dedutivo entende mais depressa do que uma pessoa que não tem ouvido, nem esse poder. Então, eu quase que imediatamente aprendia as coisas. E então cantava o Carlos Gardel todo.
Amália Rodrigues

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Quadro de Honra

Até 1974, era hábito cada liceu ter um Quadro de Honra onde eram afixados os nomes dos melhores alunos do 1º ao 7.º ano (do 5.º ao 11.º ano de escolaridade, na nomenclatura atual). Os vários jornais que se publicavam nas cidades e vilas do nosso País faziam eco desta distinção, inserindo, de forma destacada, os nomes dos estudantes homenageados.

terça-feira, 21 de julho de 2015

O Jantar do Hotel Central

José Maria Eça de Queirós (1845-1900) mantém-se presente nos tempos que correm. A palavra presente substitui atual, para que não haja simplificações abusivas. Não se trata, porém, de dizer que tudo se manteve inalterável (com Dâmaso Salcede ou Tomás de Alencar ao virar da esquina) e que a atualidade se mantém tal e qual. Houve mudanças significativas no país, mas há elementos duráveis na análise do autor de “Os Maias” (1888) ou de “O Conde de Abranhos” (1925). Eça desenha uma sociedade em transição, assente nos empregos públicos e nos favores do Estado. É o naturalismo em ação, aqui ou ali polvilhado por um humor fino que procura representar uma sociedade distante e periférica, relativamente aos grandes centros. E quando hoje assistimos à crise da dívida pública soberana, vêm à baila as conversas do banqueiro Cohen relativamente ao dinheiro e aos seus enredos…

«O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar ‘absolutamente’. Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. Lembramo-nos bem da passagem. E depois: « – A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela – continuava Cohen – que seria mais fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país»… Isto, enquanto Ega e, surpreendentemente, Alencar, sonhavam com uma revolução. A história económica portuguesa do século XIX foi longamente dominada pelas crises bancárias (1827, 1846, 1876 e 1891) e pela evolução da dívida pública. As guerras civis contribuíram para essa instabilidade até 1851. Já em 1876 tudo se concentrou na bolha especulativa gerada pela proliferação de entidades bancárias; enquanto em 1891 foi a bancarrota argentina que quebrou a casa Baring de Londres, ligando-se à redução da remessa dos emigrantes do Brasil por causa do fim da escravatura e da implantação da República. E a dívida pública explodiu. Assim, a profecia de Cohen cumpriu-se, houve o convénio dos credores externos de 1902 (com o empréstimo de 99 anos, ao juro de 3 por cento) e um longo purgatório português nos mercados financeiros. Entende-se que a pergunta sobre a atualidade de Eça obriga não a ressuscitar Abranhos ou Dâmaso, mas a desentranhá-los… 

Guilherme d'Oliveira Martins, in Lusografias (texto incompleto)

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Maldade

É por vezes um espinho oculto e insuportável, que temos cravado na carne, que nos torna difíceis e duros para com toda a gente.

Paul Valéry

domingo, 19 de julho de 2015

De Tarde

Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde

sábado, 18 de julho de 2015

Ditadura

A ditadura é sempre um ataque às liberdades públicas, quer ela se apresente com semblante hipocritamente jovial, quer com aspeto carrancudo; a ditadura é sempre um golpe de estado, um salto formidável arriscado, em que se pretende ultrapassar a baliza que separa a lei do arbítrio.

in O Século n.º 134, de 18-07-1881, p. 1 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Amigo

Mal nos conhecemos 
Inaugurámos a palavra «amigo». 

«Amigo» é um sorriso 
De boca em boca, 
Um olhar bem limpo, 
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, 
Um coração pronto a pulsar 
Na nossa mão! 

«Amigo» (recordam-se, vocês aí, 
Escrupulosos detritos?) 
«Amigo» é o contrário de inimigo! 

«Amigo» é o erro corrigido, 
Não o erro perseguido, explorado, 
É a verdade partilhada, praticada. 

«Amigo» é a solidão derrotada! 

«Amigo» é uma grande tarefa, 
Um trabalho sem fim, 
Um espaço útil, um tempo fértil, 
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa! 

Alexandre O'Neill, in No Reino da Dinamarca


quinta-feira, 16 de julho de 2015

Narciso


Dentro de mim me quis eu ver. Tremia, 
Dobrado em dois sobre o meu próprio poço... 
Ah, que terrível face e que arcabouço 
Este meu corpo lânguido escondia! 

Ó boca tumular, cerrada e fria, 
Cujo silêncio esfíngico bem ouço! 
Ó lindos olhos sôfregos, de moço, 
Numa fronte a suar melancolia! 

Assim me desejei nestas imagens. 
Meus poemas requintados e selvagens, 
O meu Desejo os sulca de vermelho: 

Que eu vivo à espera dessa noite estranha, 
Noite de amor em que me goze e tenha, 
...Lá no fundo do poço em que me espelho! 

José Régio, in Biografia 


quarta-feira, 15 de julho de 2015

Mariner 4

Às 00:18:35 do dia 15 de julho de 1965, a sonda espacial norte-americana Mariner 4 inicia a captação de uma sucessão de 21 fotografias do planeta Marte, para posterior envio para a Terra. O Centro Espacial de Passadena, na Califórnia, segundo notícia publicada nesse dia no Diário de Lisboa, receava que tivesse havido uma anomalia no funcionamento da fita magnética de gravação, o que implicaria o insucesso fotográfico desta missão. Felizmente, todas as 21 imagens da superfície daquele planeta acabariam por ser transmitidas, via rádio, para a Terra. O Diário de Lisboa de 16 de julho já noticiava que a primeira imagem rececionada desmentia a existência de canais que, segundo a ficção científica, teriam sido construídos por formas inteligentes de vida daquele planeta.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Tomada da Bastilha

A Bastilha era uma fortaleza situada em Paris. Começou a ser construída no ano de 1370, durante o reinado de Carlos V. Foi concluída, doze anos depois, em 1382.
No século XV, foi transformada pela monarquia francesa numa prisão de Estado, ou seja, um local onde eram presos aqueles que discordavam ou representavam uma ameaça ao poder absolutista.
Tornou-se um símbolo do
absolutismo francês, sendo que vários intelectuais e políticos foram presos nesta fortaleza. Entre os prisioneiros mais famosos, destacam-se Bassompierre, Foucquet, o homem da máscara de ferro, Voltaire, Latude, entre outros.
Durante a Revolução Francesa (1789), a fortaleza foi atacada e tomada pelos revolucionários, no dia 14 de julho. Os presos políticos foram libertados.
A Tomada da Bastilha tornou-se um marco e símbolo da queda da monarquia francesa.
A importância da Tomada da Bastilha reside no facto de que a partir desse momento a revolução passou a contar com a presença das massas trabalhadoras, deixando de ser apenas um movimento onde deputados julgavam que poderiam eliminar o Antigo Regime apenas fazendo novas leis.
A pressão popular intensificou-se, culminando com a união dos representantes do terceiro estado na Assembleia Nacional e com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um dos mais importantes marcos da história contemporânea mundial.
O 14 de julho foi escolhido pelos franceses como feriado nacional e data de celebração da Revolução Francesa.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A Questão Alemã

Após a derrota da Alemanha, Berlim foi dividida, em junho de 1945, em quatro setores, ocupados respetivamente por franceses, britânicos, americanos e soviéticos, tendo toda a área urbana da antiga capital germânica ficado dentro da zona de ocupação soviética. Esta situação produziu inúmeros incidentes entre o Ocidente e a União Soviética. Em novembro de 1958, a União Soviética considera nulos os direitos de ocupação da cidade pelos outros três países e propõe que esta seja declarada livre e desmilitarizada. Para resolver esta questão alemã, os ministros dos negócios estrangeiros dos quatro países ocupantes iniciam, a 13 de julho de 1959, conversações em Genebra. Esta Conferência terminará a 5 de agosto, sem se alcançar resultados positivos.

domingo, 12 de julho de 2015

Cada lugar teu


Sei de cor cada lugar teu
Atado em mim, a cada lugar meu
Tento entender o rumo que a vida nos faz tomar
Tento esquecer a mágoa
Guardar só o que é bom de guardar

Pensa em mim protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
Sem ter defesas que me façam falhar
Nesse lugar mais dentro
Onde só chega quem não tem medo de naufragar

Fica em mim que hoje o tempo dói
Como se arrancassem tudo o que já foi
E até o que virá e até o que eu sonhei
Diz-me que vais guardar e abraçar
Tudo o que eu te dei

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
E o mundo nos leve pra longe de nós
E que um dia o tempo pareça perdido
E tudo se desfaça num gesto só

Eu Vou guardar cada lugar teu
Ancorado em cada lugar meu
E hoje apenas isso me faz acreditar
Que eu vou chegar contigo
Onde só chega quem não tem medo de naufragar

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
E o mundo nos leve pra longe de nós
E que um dia o tempo pareça perdido
E tudo se desfaça num gesto só

Eu Vou guardar cada lugar teu
Atado em mim cada lugar meu
E hoje apenas isso me faz acreditar
Que eu vou chegar contigo
Onde só chega quem não tem medo de naufragar

Mafalda Veiga


quinta-feira, 9 de julho de 2015

Vaidosa


Dizem que tu és pura como um lírio 
E mais fria e insensível que o granito, 
E que eu que passo aí por favorito 
Vivo louco de dor e de martírio. 

Contam que tens um modo altivo e sério, 
Que és muito desdenhosa e presumida, 
E que o maior prazer da tua vida, 
Seria acompanhar-me ao cemitério. 

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas, 
A déspota, a fatal, o figurino, 
E afirmam que és um molde alabastrino, 
E não tens coração, como as estátuas. 

E narram o cruel martirológio 
Dos que são teus, ó corpo sem defeito, 
E julgam que é monótono o teu peito 
Como o bater cadente dum relógio. 

Porém eu sei que tu, que como um ópio 
Me matas, me desvairas e adormeces, 
És tão loura e dourada como as messes 

E possuis muito amor... muito amor-próprio. 

Cesário Verde, in O Livro de Cesário Verde

terça-feira, 7 de julho de 2015

Olhar em frente

O voltarmo-nos excessivamente para dentro de nós próprios é que nos conduz muitas vezes a situações de angústia e de nervosismo. Se olharmos para a frente, para o que é jovem e espontâneo, por muito duro que seja o que nos rodeia, por muito violenta e injusta que seja a realidade que tenta esmagar-nos, há sempre maneira de encontrarmos dentro de nós a força e a coragem de seguirmos o nosso caminho, que é o caminho da dignidade e da compreensão humana.

Maria Barroso in Cartas a Mário Soares


sábado, 4 de julho de 2015

O Milagre das Rosas


D. Isabel, mulher de D. Dinis, ocupava todo o tempo que tinha a fazer bem a quantos a rodeavam, visitando e tratando doentes e distribuindo esmolas pelos pobres. 
Conta a lenda que o rei, que tinha muito mau génio apesar de ser também bondoso, se irritou por ver a rainha sempre misturada com mendigos, e proibiu-a de dar mais esmolas. 
Certo dia, viu-a sair do palácio às escondidas, foi atrás dela e perguntou-lhe o que levava escondido por baixo do manto. Era pão para distribuir pelos pobres. Mas ela, aflita por ter desobedecido ao rei, disse: 
- São rosas, Senhor!
- Rosas? Rosas em janeiro? - duvidou ele - Deixai-me ver! 
De olhos baixos, a rainha Santa Isabel abriu o regaço e o pão tinha-se transformado em rosas, tão lindas como jamais se viu.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

Dom Manuel II

Em 15 de novembro de 1889 nasceu aquele que foi o último Rei de Portugal Dom Manuel II, filho do Rei D. Carlos e da Rainha Dona Amélia, sendo baptizado pelo cardeal-patriarca D. José Neto, em 18 de dezembro de 1889.
Dom Manuel II tinha um especial gosto pelas artes, historia, música e literatura. Como o herdeiro direto ao trono seria o seu irmão mais velho D. Luís Filipe, Dom Manuel II gostaria de ter tido uma carreira ao serviço da marinha o que não veio a acontecer devido ao assassinato do seu pai e seu irmão.
Com o funeral do Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, assassinados em 1 de fevereiro de 1908, Dom Manuel II torna-se o 35º Rei de Portugal, aos 18 anos de idade. Durante o seu curto reinado nunca chegou a casar-se e a 4 outubro de 1910 foi feito um golpe militar. Dom Manuel II foi exilado em Gibraltar a 7 de outubro do mesmo ano e mais tarde foi para Londres.
Em 4 de setembro de 1913, Dom Manuel II casou com D. Augusta Vitoria pelo civil e mais tarde pelo religioso, cerimónia essa que foi presidida pelo antigo cardeal-patriarca de Lisboa D. José Neto, exilado em Sevilha.
A 2 de julho de 1932 Dom Manuel II morreu em Londres devido a doença prolongada.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

As palavras

Sento-me para escrever umas palavras, mas receio que me surja no ecrã algo parecido com um epitáfio. (...) E eu quero que o meu texto não se deite, como coroas de flores, no seu caixão. Que se escape das regras tal como ele soube escapar, quando escreveu na ditadura.

Hélia Correia