terça-feira, 21 de julho de 2015

O Jantar do Hotel Central

José Maria Eça de Queirós (1845-1900) mantém-se presente nos tempos que correm. A palavra presente substitui atual, para que não haja simplificações abusivas. Não se trata, porém, de dizer que tudo se manteve inalterável (com Dâmaso Salcede ou Tomás de Alencar ao virar da esquina) e que a atualidade se mantém tal e qual. Houve mudanças significativas no país, mas há elementos duráveis na análise do autor de “Os Maias” (1888) ou de “O Conde de Abranhos” (1925). Eça desenha uma sociedade em transição, assente nos empregos públicos e nos favores do Estado. É o naturalismo em ação, aqui ou ali polvilhado por um humor fino que procura representar uma sociedade distante e periférica, relativamente aos grandes centros. E quando hoje assistimos à crise da dívida pública soberana, vêm à baila as conversas do banqueiro Cohen relativamente ao dinheiro e aos seus enredos…

«O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar ‘absolutamente’. Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. Lembramo-nos bem da passagem. E depois: « – A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela – continuava Cohen – que seria mais fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país»… Isto, enquanto Ega e, surpreendentemente, Alencar, sonhavam com uma revolução. A história económica portuguesa do século XIX foi longamente dominada pelas crises bancárias (1827, 1846, 1876 e 1891) e pela evolução da dívida pública. As guerras civis contribuíram para essa instabilidade até 1851. Já em 1876 tudo se concentrou na bolha especulativa gerada pela proliferação de entidades bancárias; enquanto em 1891 foi a bancarrota argentina que quebrou a casa Baring de Londres, ligando-se à redução da remessa dos emigrantes do Brasil por causa do fim da escravatura e da implantação da República. E a dívida pública explodiu. Assim, a profecia de Cohen cumpriu-se, houve o convénio dos credores externos de 1902 (com o empréstimo de 99 anos, ao juro de 3 por cento) e um longo purgatório português nos mercados financeiros. Entende-se que a pergunta sobre a atualidade de Eça obriga não a ressuscitar Abranhos ou Dâmaso, mas a desentranhá-los… 

Guilherme d'Oliveira Martins, in Lusografias (texto incompleto)

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