Ponho-me,
às vezes, a olhar para o espelho e a examinar-me, feição por
feição: os olhos, a boca, o modelado da fronte, a curva das
pálpebras, a linha da face... E esta amálgama grosseira e feia,
grotesca e miserável, saberia fazer versos? Ah, não! Existe outra
coisa... mas o quê? Afinal, para que pensar? Viver é não saber que
se vive. Procurar o sentido da vida, sem mesmo saber se algum sentido
tem, é tarefa de poetas e de neurasténicos. Só uma visão de
conjunto pode aproximar-se da verdade. Examinar em detalhe é criar
novos detalhes. Por debaixo da cor está o desenho firme e só se
encontra o que se não procura. Porque me não esqueço eu de
viver... para viver?
Florbela Espanca, in Diário do Último Ano
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