Lourença
tinha três irmãos. Todos aprendiam a fazer habilidades como
cãezinhos, e tocavam guitarra ou dançavam em pontas dos pés. Ela
não. Era até um bocado infeliz para aprender, e admirava-se de que
lhe quisessem ensinar tantas coisas aborrecidas e que ela tinha de
esquecer o mais depressa possível. O que mais gostava de fazer era
comer maçãs e deitar-se para dormir. Mas não dormia. Fechava os
olhos e acontecia-lhe então uma aventura bonita e conhecia gente
maravilhosa. Eram as pessoas que ela via no cinema ou que ela já
tinha encontrado cm qualquer parte, mas que não sabia quem eram. Não
gostava de ninguém que se pusesse entre ela e a imaginação, como
um muro, e a não deixasse ver as coisas de maneira diferente. Não
gostava que lhe tocassem e, sobretudo, que a gente grande pesasse com
a grande mão em cima da sua cabeça. Apetecia-lhe morder-lhes e
fugir depressa. Mas não fazia nada disso. Ficava quieta e olhava
para a frente dela, cheia de seriedade. Isto tinha o efeito de causar
estranheza, e diziam sempre que ela era uma menina obediente e
sossegada. Mas retiravam a mão. Tinham-lhe posto o nome de «dentes
de rato», porque os dentes dela eram pequenos e finos, e pela mania
que ela tinha de morder a fruta que estava na fruteira e deixar lá
os dentes marcados.
Agustina Bessa Luís, Dentes de Rato
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