domingo, 28 de dezembro de 2014

Não me prendo

Não me prendo a nada que me defina. Sou companhia, mas posso ser solidão. Tranquilidade e inconstância, pedra e coração. Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono. Música alta e silêncio. Serei o que tu quiseres, mas só quando eu quiser.
Clarice Lispector

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Simão Botelho

Protagonista de "Amor de Perdição", de Camilo Castelo Branco, inicialmente é apresentado como um jovem de temperamento sanguinário e violento. Perturbador da ordem para defender a plebe com quem convive e agitador na faculdade, onde luta de forma brutal pelas ideias jacobinas, o seu carácter transforma-se repentinamente. É que conhecera e amara, durante os três meses em que esteve em Viseu, a vizinha Teresa. Ele com 17 anos, ela com 15, passam a viver desde então o amor romântico: um amor que redime os erros, que modifica as personalidades, que tem na pureza de intenções e na honestidade de princípios as suas principais virtudes. Aliás, são as virtudes que caracterizam os sentimentos de Simão, desde que experimenta este amor. Torna-se recatado, estudioso e até religioso, o que não o impede de sentir uma sede incontrolável de vingança, que resulta no assassinato do rival Baltasar Coutinho. Esse ato exemplifica a proximidade entre “o sentimento moral do crime” ou “o sentimento religioso do pecado” e a tentativa de consumação do amor. O modo como assume este crime, recusando-se a aceitar todas as tentativas de escamoteá-lo, feitas pelos amigos do seu pai, acaba de configurar o carácter passional do comportamento de Simão. Nem a possibilidade da forca e do degredo, nem as misérias sofridas no cárcere conseguem abater a firmeza, a dignidade, a obstinação que transformam Simão Botelho em símbolo heróico da resistência do indivíduo perante as vilezas da sociedade. Por outras palavras, estamos perante um típico herói ultra-romântico.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

La Bohème

"La Bohème" é uma ópera em quatro atos de Giacomo Puccini, com libreto de Luigi Illicae Giuseppe Giacosa, baseado no livro de Henri Murger, “Scènes de la vie de bohème”. Estreou no Teatro Regio de Turim a 1 de Fevereiro de 1896, sob a direcção de Arturo Toscanini.
A história passa-se em Paris, no início do século XIX, e o argumento gira em torno de um grupo de artistas em conflito e com falta de recursos financeiros.
Rodolfo é poeta e partilha um sótão em Paris com os seus amigos boémios: Marcello, um pintor, Schaunard, um músico, e Colline, um filósofo. Os quatro enganam o senhorio que vinha cobrar a renda em atraso e decidem ir comemorar ao Momus Café. Rodolfo permanece a escrever quando chega a frágil Mimi e os dois se apaixonam.
No Quartier Latin, Rodolfo aparece com Mimì no Momus Café e apresenta-a aos seus amigos. Marcello reencontra Musetta, com um novo companheiro e os dois reconciliam-se.
Uns tempos mais tarde, Mimì visita Marcello e, desesperada, conta-lhe que Rodolfo a abandonou cego de ciúmes. À chegada de Rodolfo, Mimì esconde-se e percebe pela conversa dos dois amigos que o verdadeiro motivo do abandono é a sua saúde. Marcello e Musetta também se separam.
De regresso ao sótão, Musetta e Mimì, já muito fraca, chegam para que esta volte a ver, uma vez mais, o seu amado Rodolfo.
Numa última tentativa de salvar Mimì, Rodolfo corre para a cama a chorar e a chamar pelo seu nome.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Eliminação da Discriminação Racial

A 21 de dezembro de 1965, na Assembleia Geral das Nações Unidas é adotada, pela Resolução 2106 A (XX), a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Nos termos desta Convenção, os Estados Partes empenham-se em não cometer um ato ou adotar uma prática de discriminação racial contra indivíduos, grupos de pessoas ou instituições e a assegurar que as autoridades públicas e as instituições atuem da mesma maneira; não patrocinar, defender ou sustentar a discriminação racial com origem em pessoas ou em organizações; rever as políticas governamentais, nacionais e locais e alterar ou a revogar leis e regulamentos que constituem ou perpetuem a discriminação racial; proibir e pôr termo à discriminação racial por pessoas, grupos e organizações; e fomentar organizações e movimentos integracionistas ou multiraciais e outros meios de eliminar as barreiras entre raças, bem como desencorajar tudo aquilo que puder tender a reforçar a divisão racial.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Tristeza

Uma história triste agrada sempre. No seu sentido mais profundo, a vida é bela e alegre. Todos nós tivemos já a experiência disso milhares de vezes. Provas sobre provas de que não há primavera sem flores, nem outono sem frutos. Mas, apegados como estamos à aparência de tudo, esquecemos a voz do profundo, e ouvimos deliciados o som da superfície. Temos o vício da tristeza.
Miguel Torga

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Livre ...

 A minha infância pode parecer assustadora, mas era bela ... Passei fome ...Passei frio ... Mas era livre ... Livre de não me levantar ... Livre de não me deitar ... Livre de me embebedar ... De sonhar ... De esperar.
Edith Piaf

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Lua Adversa


Tenho fases, como a lua, 
Fases de andar escondida, 
fases de vir para a rua... 
Perdição da minha vida! 
Perdição da vida minha! 
Tenho fases de ser tua, 
tenho outras de ser sozinha. 

Fases que vão e que vêm, 
no secreto calendário 
que um astrólogo arbitrário 
inventou para meu uso. 

E roda a melancolia 
seu interminável fuso! 

Não me encontro com ninguém 
(tenho fases, como a lua...). 
No dia de alguém ser meu 
não é dia de eu ser sua... 
E, quando chega esse dia, 
o outro desapareceu...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Emma Bovary

A figura da mulher insatisfeita do século XIX é representada por ela em muitos aspetos e a crítica social na obra é imensa. Uma mulher sonhadora que conheceu o mundo através dos livros e que se cansa da vida de casada com um médico entediante. A personagem é um poço de tédio. Apesar de todas as tentativas frustradas do marido de agradar a esposa, Emma não se satisfaz facilmente e nem os amantes lhe são suficientes. Essa foi à obra que inaugurou o Realismo na Literatura, que serviu de inspiração para tantos outros autores e que até hoje gera discussões com a sua tão insaciável personagem principal.

domingo, 14 de dezembro de 2014

O Direito à Literatura

A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo facto de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela organiza-nos, liberta-nos do caos e portanto humaniza-nos. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade.
António Candido

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Protocolo de Quioto

A 11 de dezembro de 1997, é assinado o Protocolo de Quioto, tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, com o consequente aquecimento global. Se o Protocolo de Quioto for implementado com sucesso, estima-se que a temperatura global reduza entre 1,4°C e 5,8 °C até 2100.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sim, é possível

É possível (...) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante? É possível que se tenha tido milénios para olhar, refletir e anotar e que se tenha deixado passar os milénios como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã? 

Sim, é possível. 

É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da filosofia, se tenha ficado na superfície da vida? É possível que até se tenha coberto essa superfície - que, apesar de tudo, seria qualquer coisa - com um pano incrivelmente aborrecido, de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de verão? 

Sim, é possível.

É possível que toda a História Universal tenha sido mal-entendida? É possível que o passado seja falso, precisamente porque sempre se falou das suas multidões, como se dissertasse sobre uma aglomeração de pessoas, em vez de falar de uma única, em torno da qual elas estavam, porque se tratava de um desconhecido que morreu? 

Sim, é possível.

É possível que se tenha julgado ser preciso recuperar o que aconteceu antes de se ter nascido? É possível que se tivesse de lembrar a cada um que ele, de facto é proveniente de todos os antecessores, tendo ele disso conhecimento e não devendo dar ouvidos a outros que soubessem outras coisas? 

Sim, é possível. 


É possível que todas estas pessoas conheçam em pormenor um passado que nunca houve? É possível que todas as realidades nada sejam para elas; que a sua vida decorra, desligada de tudo, como um relógio numa sala vazia? 

Sim, é possível.

É possível que nada se saiba das raparigas que, no entanto, vivem? É possível que se diga «as mulheres», «as crianças», «os rapazes» e não se faça a mínima ideia (apesar de toda a cultura não se faça a mínima ideia) de que há muito que estas palavras não têm plural, mas apenas inúmeros singulares? 

Sim, é possível.

É possível que haja gente que diga «Deus» e julgue que se trate de algo comum a todos? - E veja-se apenas dois rapazinhos de escola: um compra um canivete, e o seu vizinho compra outro tal qual no mesmo dia. E uma semana depois mostram um ao outro os dois canivetes, e acontece que eles só muito de longe se parecem - tão diferentemente evoluíram em mãos diferentes. (Ora, diz a mãe de um deles a esse respeito: vocês têm sempre por força de desgastar logo tudo!). Ah, pois: é possível acreditar que se possa ter um Deus sem se recorrer a Ele? 

Sim, é possível.

Porém, se tudo isto é possível, se tem mesmo só uma aparência de possibilidade - então, por tudo o que há no mundo, é preciso que aconteça alguma coisa. O primeiro indivíduo, o que teve estes pensamentos inquietantes, deve começar a fazer alguma coisa do que se perdeu; mesmo que seja um qualquer, certamente o menos indicado: mais nenhum há que o possa fazer. 

Rainer Maria Rilke, in As Anotações de Malte Lauridis Brigge