sexta-feira, 23 de maio de 2014

A bula Cum ad nihil magis

«A Inquisição», salientou Eduardo Lourenço, «é o mais presente, obsessivo e enigmático episódio da nossa vida coletiva». Este juízo pode ser estendido a Espanha e Itália, os outros países católicos da Europa Meridional que, durante a Época Moderna, foram fortemente caracterizados pela sua presença.
D. João III negociou vários anos a instituição do Tribunal do Santo Ofício em Portugal. Em 1532 viu os seus intentos satisfeitos pelo papa Clemente VII que lho concedeu pela bula Cum ad nihil magis, de 17 de dezembro, na qual nomeava inquisidor D. Fr. Diogo da Silva.
A reação e protestos dos cristãos novos fizeram com que o mesmo pontífice revogasse aquela bula pela Sempiterno Regi, de 7 de abril de 1533. Perante o desaire, o soberano não desistiu e moveu influências. Paulo III, que sucedera a Clemente VII, respondeu com o breve Inter coetera ad nostrum, de 17 de março de 1535, aconselhando o monarca a seguir as regras da piedade e não as da vingança e mandou executar o perdão concedido pelo seu antecessor.
D. João III travou em Roma uma luta cara, a que não foram alheias as intrigas e subornos, conseguindo que o mesmo papa Paulo III instituísse em Portugal o Tribunal do Santo Ofício pela bula Cum ad nihil magis, de 23 de maio de 1536. Dirigida aos bispos de Ceuta, de Coimbra e de Lamego, nomeava-os seus comissários e inquisidores em Portugal para procederem contra os cristãos novos e contra todos os culpados em crime de heresia. Em 1539 D. Diogo da Silva renunciou ao cargo de inquisidor-mor e D. João III nomeou o seu irmão, o infante D. Henrique, arcebispo de Braga e futuro cardeal. Essa nomeação não foi bem aceite por Paulo III que, todavia, acabou por lhe conceder os poderes antes dados aos inquisidores.
Estava definitivamente instituída a Inquisição em Portugal nos moldes ambicionados pelo rei Piedoso. Tribunal simultaneamente régio e eclesiástico, inseria-se na política de centralização do poder. A sua criação e os seus membros estavam ligados à Igreja, mas todo o funcionamento era superiormente controlado pelo rei, desde a nomeação dos inquisidores-gerais, que despachavam diretamente com o monarca, até à execução das penas de morte, para o que os condenados eram entregues ao braço secular.

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